Quando a comida dos funcionários do restaurante vai para o menu principal
“Você precisa colocar isso no cardápio”, Paulo Autran (1922-2007) teria dito, repetidas vezes, para Alex Atala. O ator se referia ao macarrão com linguiça e feijão que era servido, oficialmente, só para os funcionários do extinto 72 — o chef comandou este restaurante, no Itaim Bibi, antes de começar a empreender no ramo.
Alguns habitués, no entanto, a exemplo de Autran, sabiam da existência desse prato e iam até lá decididos a saboreá-lo. No Dalva e Dito, que completa quinze anos, Atala se rendeu à sugestão do ator.
Incluído no cardápio do restaurante, o terceiro que o chef criou, o macarrão com linguiça e feijão virou um dos pratos mais pedidos. O Dalva e Dito, de certa forma, é fruto do apreço do cozinheiro, e de boa parte dos consumidores, por receitas do tipo: fartas e simples.
O restaurante foi montado quando o segundo empreendimento de Atala, o D.O.M., já tinha cerca de uma década — o NaMesa, o primeiro dos três, não existe mais.
É preciso registrar que, durante um tempo, o fluxo no D.O.M. no almoço durante a semana não era dos melhores. Para reverter este quadro, o cozinheiro implantou um menu executivo e avisou a turma que costumava almoçar arroz com feijão no 72, entre outras combinações do tipo — todas elas, a princípio, eram limitadas à equipe de trabalho do extinto endereço. Deu certo. E a novidade, até hoje, é uma das marcas do D.O.M., que comemora 25 anos.
Atualmente, o menu executivo custa R$ 180. Inclui uma proteína (peixe, frango ou escalope de filé mignon) e acompanhamentos como pão de mandioca, couve refogada com bacon, feijão, farofa e banana à milanesa. “Uma das coisas que mais gosto de comer é feijão”, diz Atala ao comentar o sucesso do menu executivo, que serviu de incentivo para a criação do Dalva e Dito. “Acho que ajudei muita gente a sentir orgulho de comer a mesma coisa”.
A trajetória do macarrão com linguiça e feijão de Atala dá uma ideia dos pratos que os restaurantes costumam servir para a brigada. Nem todos os endereços, como é de imaginar, capricham tanto nessas refeições, apelidadas de “comida da família”.
Via de regra, a cozinha expede para os funcionários opções mais simples — mas que, geralmente, não ficam a desejar. Vale para endereços localizados em cidades diversas, de São Paulo e Rio de Janeiro a Porto Alegre ou Goiânia.
“Refeições do tipo carregam uma certa poesia”, diz Fernando Blower, presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (Sindrio). “Empreendimentos desse segmento vendem comida, o que os levam, em tese, a servir comida bem feita para os funcionários. É uma forma de estimular o capricho no preparo daquilo que é adquirido pela clientela”.
A comida que geralmente é direcionada para a brigada é a do dia a dia, acrescenta Blower, por razões estratégicas. “É a que a maioria das pessoas gosta de comer cotidianamente”, afirma. Alguns empreendimentos, segundo o presidente do SindRio, não se encarregam do preparo das refeições dos funcionários — preferem fornecer vale alimentação. “É uma boa alternativa, por exemplo, para empreendimentos que não dispõem da estrutura necessária para o preparo de comida do dia a dia, a exemplo de uma pizzaria e de um sushi bar”, observa ele. “Alguns endereços sequer têm fogão”.
Registre-se que, para alimentar seus empregados, restaurantes e bares estão recorrendo, cada vez mais, a empresas que vendem refeições prontas como a Liv Up. “É uma solução que pode fazer muito sentido, por exemplo, para empreendimentos localizados em regiões muito caras, nas quais o poder de compra de um vale refeição tende a ser limitado”, diz Blower.
Desde 2018, o chef Fellipe Zanuto tem no menu do seu Hospedaria, além das opções do tradicional executivo, uma opção mais em conta: o Rango de Funça que sai por R$ 42. “O Rango de Funça nasceu quando uma vez um cliente nosso na Mooca – que ia quase todo dia no Hospedaria – chegou um pouco mais cedo e viu que os funcionários estavam acabando de almoçar. Ele me perguntou se poderia comer o que a galera estava comendo. Ele adorou e resolvi transformar isso em um produto”, diz Fellipe.
Nas segundas, é dia do Picadinho de carne com legumes, arroz, farofa de milho com bacon, pastel de vento e ovo mole; nas terças do Milanesa de Frango, arroz, feijão, filé de frango à milanesa e purê de batatas. Quarta é a clássica Feijoada com linguiça, bisteca, lombo, couve, pururuca, farofa e vinagrete de laranja; e nas quintas, Isca de Peixe Frito com molho tártaro, arroz, feijão, fritas e vinagrete. Para fechar a semana, sexta fica o dia do Estrogonofe de frango, arroz branco e batata chips.
Outro endereço que decidiu compartilhar a comida dos funcionários com os clientes é o Ema, em São Paulo. Trata-se do estabelecimento mais autoral da chef Renata Vanzetto. Lá pelas tantas, Cony Pinheiro, um dos cozinheiros do Ema, começou a divulgar no Instagram o cardápio exclusivo da brigada. Com quase 250 mil seguidores nesta rede, Vanzetto passou a repostar o conteúdo de Pinheiro, aguçando o apetite de muita gente. Daí a decisão de abrir o Ema das 12h às 14h só na quinta-feira. Neste dia e horário só a comida que geralmente é consumida pelos funcionários, apelidada de “rango dos funças”, está à disposição da clientela.
Por R$ 68, dá para se servir à vontade de um bufê repleto de opções como picadinho de carne com legumes, banana grelhada na manteiga, feijão, farofa e arroz. Há quem fique com vontade de trabalhar no Ema só pelo “rango dos funças”.
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