Pía León: “tenho a responsabilidade de ser bom exemplo e modelo a seguir“
A cozinha é lugar de orgulho e identidade para o Peru. Mas nem sempre foi assim. Se hoje o país figura nas mais renomadas listas e premiações da gastronomia mundial, esse salto de sucesso teve início apenas nos anos 1980, por nomes como Bernardo Roca Rey, Cucho La Rosa e Isabel Álvarez. Mas foi nos anos 1990, nas mãos do chef Gastón Acurio, que a explosão aconteceu.
Promotor incansável da gastronomia peruana, ele sempre pregou que “é possível mudar por meio da cozinha, nos libertarmos e nos reconhecermos como peruanos”. Trabalho bem-feito, gastronomia valorizada, chefs unidos. O Peru virou referência em alta gastronomia e alguns nomes brilham nos quatro cantos do mundo, como o da chef Pía León.
Eleita a Melhor Chef Mulher da América Latina em 2018 e do mundo em 2021, Pía León comanda o seu restaurante Kjolle, localizado no bairro de Barranco, em Lima, que saltou do 28º lugar para 16ª neste ano pelo World’s 50 Best Restaurants Awards; e atua ao lado do marido, Virgilio Martínez, no Central, restaurante eleito o melhor de 2023 pela mesma premiação.
Seu trabalho é pautado na pesquisa dos ingredientes locais e na conexão interdisciplinar com o território onde está inserida.
Apoiada pela estrutura do Mater, instituto idealizado por Pía, Virgilio e Malena Martínez para estudar alimentos e processos ancestrais, reunindo geógrafos, biólogos, antropólogos e chefs, além de descendentes dos povos pré-hispânicos que vivem em comunidades tradicionais em regiões remotas do Peru, a chef apresenta pratos únicos, repletos de história e conhecimento. Sem esquecer o mais importante: com profundidade de sabores e texturas provenientes da terra, do ar e do mar peruano.
Em conversa com a CNN Viagem&Gastronomia, o papo foi além dos ingredientes e do competente trabalho realizado em seus restaurantes. Afinal, se hoje ela é reconhecida internacionalmente, o caminho para uma mulher ocupar esse posto foi longo, e a disparidade de gênero na gastronomia segue como um tema complexo que reflete desigualdades históricas e estruturais dentro da indústria.
“Hoje em dia, vemos um aumento significativo de mulheres na cozinha. Essa mudança se deve a um foco consciente na avaliação de habilidades e capacidades independentemente do gênero, o que promoveu um ambiente de trabalho mais inclusivo e profissional. Além disso, o crescente reconhecimento e visibilidade das mulheres na indústria inspirou mais mulheres a se unirem e permanecerem no campo”, diz Pía, que faz parte da pequena parcela de chefs mulheres que lideram restaurantes com estrelas Michelin ou que constam em renomadas listas. Segundo um estudo realizado pela Chef’s Pencil, no início do último ano, esse número é de apenas 6%.
Ao entrar no Central, 15 anos atrás, ela era a única mulher. Hoje, o grupo do qual o Central faz parte ao lado do Kjolle e Mil, conta com 20 mulheres num total de 130 pessoas. Pía é categórica ao afirmar que não buscam o mesmo número de homens e mulheres na cozinha. O que procuram são uma boa atitude, muita vontade de aprender e de fazer parte da equipe. Não se trata de pressionar as mulheres, mas sim de paixão e dedicação.
Quando questionada sobre o peso de tantos prêmios, a resposta é clara: “Estes reconhecimentos significaram muito, não só para mim, mas para toda a equipe. O que fazemos é um trabalho em comunidade, coletivo, não individual. Isso motiva e dá muita força para continuar crescendo. Sempre com os pés no chão e sabendo de onde viemos e para onde vamos. Vemos os prêmios e reconhecimentos como um meio e não como um fim. Um meio para transmitir uma mensagem de respeito e cuidado com as comunidades que nos cercam, e de que fazemos parte. Nosso objetivo final não está nesses prêmios; eles são parte do trabalho, da consistência, da disciplina, da união. Nossa direção é um destino comum, de bem-estar coletivo e de conexão. O que muda para nós após um reconhecimento assim é o sentido de responsabilidade que nos cabe de continuar trabalhando para sermos bons exemplos e modelos a seguir, tanto como conceitos quanto como chefs para nossa comunidade“.
Mãe de Cristobal, de 8 anos, fruto do seu casamento com Virgilio, Pía diz que conciliar trabalho e maternidade, claro, não é fácil. E que se pudesse dar uma dica para as mães de primeira viagem seria: “encontre um equilíbrio que funcione para você e sua família. A maternidade é um caminho muito pessoal e cada uma deve encontrar a sua maneira, sem comparações. É fundamental priorizar e se organizar, mas também pedir ajuda e, se possível, contar com uma rede de apoio. Sempre trabalhamos muito duro, mas em um certo momento a prioridade se torna o filho, e encontrar esse equilíbrio é crucial para desempenhar ambos os papéis com sucesso”.
Sobre os planos e sonhos para o futuro, a chef não abre o jogo, diz que se concentra no presente, mas que ainda tem muito trabalho em suas casas, no Theobromas, projeto voltado ao cacau e ao chocolate peruano, e no Mundo Líquido, que visa explorar as bebidas com insumos locais. Nos resta aguardar e acompanhar os próximos passos dessa grande embaixadora da gastronomia peruana.