Mishiguene é a prova de que Buenos Aires vai muito além de suas brilhantes parrillas
A música “Mi Buenos Aires Querido”, interpretada pelo icônico Carlos Gardel, é um hino de amor e nostalgia pela capital da Argentina. E, convenhamos, representa o sentimento de muitos brasileiros por essa cidade que, só em 2023, recebeu quase 700 mil turistas do Brasil, segundo dados oficiais do Visit Buenos Aires.
A proximidade geográfica; o fácil acesso com voos diários saindo das principais capitais do Brasil; a facilidade com a língua (viva o “portunhol”!); a riqueza cultural expressada em seus inúmeros museus, praças, monumentos e arquitetura; e o bom custo-benefício comparado com outros destinos internacionais são alguns dos itens que tornam Buenos Aires tão atraente. No entanto, outro aspecto tem ganhado cada vez mais relevância na escolha por este destino para dias de descanso: a gastronomia.
E se as parrillas são as grandes estrelas da culinária portenha, o restaurante Mishiguene prova que não são apenas as carnes e empanadas brilham por lá.
No país que abriga a maior comunidade judaica do mundo hispânico, a casa do chef Tomás Kalika, junto ao restauranter Javier Ickowicz, é uma celebração da cozinha dos imigrantes, das mães, avós e bisavós judias.
Aberto em abril de 2014, Mishiguene significa “louco” em iídiche, língua de fusão do alemão, hebraico e línguas eslavas que se formou há cerca de mil anos, com a intensa migração de judeus que fugiam das perseguições que sofriam na Península Ibérica e na França para a Europa Central e Leste Europeu, e que foram chamados de ashkenazim.
E por que o nome “louco”? Talvez uma brincadeira por a Argentina ter o maior número de psicólogos per capita do mundo. Porém, arrisco dizer que é mais pela dupla ser “louca” o suficiente para desafiar as tradições arraigadas da comunidade judaica e, ao invés de seguir à risca as receitas tradicionais dos varenikes e gefilte fish, que são consideradas verdadeiras instituições com receitas passadas de avós para netos, eles os apresentam de forma inusitada, provando que um pouco de loucura cabe até nas mais tradicionais cozinhas.
Ousadia e criatividade não faltam no Mishiguene, que tem como carro-chefe o “Pastrón Mishiguene”, uma costela bovina, curada durante dez dias em uma mistura de sal, ervas e especiarias, e defumada por quatro horas em lenha e cozida no vapor por 14 horas. O prato chega à mesa desmanchando, não é necessário usar faca e nem garfo, uma colher basta para soltar a macia carne do osso.
Com opção de menu-degustação ou à la carte, ir ao Mishiguene é sair da mesmice, mas reconhecer sabores reconfortantes. É partir para uma viagem em que o antigo e o novo mostram que — não tem jeito — um não existe sem o outro.
A exemplo, o bom e velho babaganoush não chega como a pastinha que estamos acostumados, é servido com berinjelas inteiras e grelhadas na brasa, cremosas por dentro, com molho à parte.
O Mishiguene não é kasher (tem até prato com camarão!) e tampouco tradicional. Mas é reconfortante como casa de avó judia.
As louças são todas diferentes uma da outra (garimpadas em antiquários e feirinhas da cidade); a carta de vinho, claro, é recheada de rótulos argentinos; a luz é baixa; as mesas na calçada ganham aquecedores; e pashminas são emprestadas aos visitantes nos dias frios, oferecendo aquele aconchego que só as matriarcas oferecem.
Mas esteja atento, quando você menos esperar, uma música animada vai tocar, um sabor que chega em textura e apresentação jamais vista vai dominar a mesa e a boca, e aquela zona de conforto se estremece, mostrando que sair da mesmice é uma delícia!
Com seus recém-completados dez anos, o Mishiguene tem planos de aterrissar em território brasileiro e abrir uma casa na capital paulista, porém os sócios ainda não revelaram em qual bairro e muito menos a data de inauguração.
Enquanto isso, nos resta pegar o avião e aproveitar alguns dias na capital portenha para saborear suas receitas.
Tomás Kalika, nascido em Buenos Aires, na Argentina, foi para Jerusalém, em Israel, aos 17 anos, onde trabalhou por um tempo como lavador de pratos em um kibutz e rapidamente se adaptou à vida na cozinha, eventualmente cozinhando para o famoso chef israelense Eyal Shani antes de retornar para casa cheio de novas ideias.
Tomás Kalika e os reconhecimentos de sua cozinha
Com mais de 25 anos de experiência e depois de ter navegado o mundo com empresas de cruzeiros, Tomás afirma sem pestanejar que um dos ingredientes mais importante numa cozinha é a memória emocional de cada receita e os sabores mais relevantes que tornam melhor a experiência do comensal.
E é por isso que, no Mishiguene, seu objetivo é valorizar a cozinha de imigrantes, o que faz com maestria.
Graças ao seu talento, o Mishiguene desde o início esteve entre os melhores restaurantes de Buenos Aires. A repercussão do trabalho do chef atravessou fronteiras, e sua cozinha conquistou prestígio e reconhecimento internacional, posicionando o restaurante entre os 50 melhores da América Latina desde 2017 (atualmente, na 32ª posição). Desde então, Kalika foi escolhido como “Chef do Ano” na América Latina, com o Chef’s Choice Awards, prêmio concedido pelo The World’s 50 Best Restaurants aos melhores chefs do continente e teve seu restaurante incluído na lista dos cem melhores do mundo em 2022, além de ter sido distinguido pelo Guia Michelin, em 2023.
Com as referências e ideais que carrega, Kalika fará de 2024 um ano especial para o Mishiguene, sua culinária e seus primeiros dez anos, com inúmeros eventos e parcerias com outros chefs para celebrar tamanho sucesso.
O Café Mishiguene
O chef também está à frente do Café Mishiguene, casa mais descontraída, que não aceita reserva. Por lá, sanduíches, medialunas, pastas, salmão defumado, pastrami, bagels, burekas e outros itens que atendem do café da manhã ao lanche da tarde compõem o menu e preenchem as mesas para serem compartilhados.
Dica: guarde espaço para a baklavá de nozes no final!
Confira aqui o nosso Guia de Buenos Aires com muitas dicas de onde comer, se hospedar e turistar!
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