Saquê: bebida conquista o mercado brasileiro e vai muito além do sushi
Massa harmoniza com…saquê! No final de 2024, São Paulo foi palco do Festival do Saquê, que contou com uma série de eventos especiais, masterclasses e jantares em restaurantes dos mais diversos estilos, exceto, pasme, japoneses.
O saquê, bebida alcoólica de origem japonesa feita a partir da fermentação do arroz, é tão importante na cultura nipônica que foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco. Enquanto no Japão o saquê é celebrado como um “ouro líquido” há mais de 2 mil anos, no Brasil a popularidade dele é um fenômeno mais recente, que inicialmente se restringia aos balcões de restaurantes japoneses, mas que, com o tempo, tem conquistado espaço nas cartas de restaurantes de diferentes gastronomias.
Os números comprovam esse avanço. De acordo com a JSS, Associação de Produtores de Saquê do Japão, o Brasil ocupa atualmente a 17ª posição entre os maiores importadores de saquê japonês, com uma trajetória de crescimento constante. Entre 2019 e 2023, as importações aumentaram 59% em valor e 33% em volume. O Brasil é responsável por 78% do volume de saquê japonês consumido na América Latina. Para ilustrar a importância do mercado brasileiro na região, em 2023, o segundo colocado, o México, representou apenas 17,7% das importações.
Um dos grandes responsáveis por mostrar aos brasileiros a versatilidade do saquê — e como ele pode (e deve) ser apreciado com pratos que vão muito além de sushi e sashimi — é Fabio Ota. À frente do Festival, fundador da Mega Sake e condecorado com o título de Sake Samurai (uma das maiores honrarias concedidas a profissionais que se dedicam à difusão do saquê e da cultura japonesa), Ota tem sido um verdadeiro embaixador dessa bebida tão rica e fascinante.
Uma rápida apresentação: como é produzido o saquê
O saquê é uma bebida fermentada de arroz originária dos templos xintoístas do Japão. O processo de produção é consideravelmente mais complexo do que o do vinho, principalmente porque o arroz não contém açúcar. Enquanto a uva, ao ser esmagada, já fornece um suco doce que pode ser fermentado diretamente para produzir álcool, no caso do arroz, o processo é mais longo e elaborado.
Primeiro, o arroz precisa ser polido para remover a camada externa, depois é lavado e cozido. Após esse preparo, o arroz é inoculado com o fungo Koji, responsável por transformar o amido do arroz em açúcar. Só então, o açúcar gerado será fermentado, resultando em uma bebida com graduação alcoólica entre 13% e 16% na maioria dos casos.
Além disso, Fabio explica que, por ser a bebida alcoólica com a maior quantidade de umami (o “quinto gosto”) — pelo menos quatro vezes mais do que o vinho ou a cerveja — o saquê possui uma vantagem natural na hora de harmonizar. Ele se sai muito bem com pratos que outras bebidas costumam ter dificuldades de acompanhar, como pratos apimentados, gemas moles e peixes crus, entre outros. Ota ainda destaca: “O saquê vem do arroz, que já é um acompanhamento perfeito para praticamente todos os pratos. Portanto, naturalmente, ele oferece uma harmonização potencialmente mais equilibrada e agradável na boca do que outras bebidas”.
Existe um jeito certo de consumir saquê?
O especialista diz que embora o saquê seja uma bebida bastante versátil, existem algumas recomendações para aproveitá-lo da melhor maneira. Um detalhe que muita gente desconhece é que o saquê deve ser mantido refrigerado. A temperatura ideal varia entre 4°C e 15°C, dependendo do tipo de saquê.
A bebida não se torna “inconsumível” se não for armazenado corretamente, o sabor e o aroma podem sofrer alterações significativas, fazendo com que o álcool se torne mais perceptível, enquanto os sabores e aromas delicados se perdem. Isso pode tornar a bebida menos prazerosa e difícil de apreciar.
Portanto, se o saquê foi transportado e mantido refrigerado adequadamente desde sua produção no Japão, ele provavelmente estará com suas qualidades intactas. Neste caso, o ideal é servi-lo em uma taça de vinho, que ajuda a ressaltar os aromas e sabores de forma mais elegante. Taças comuns de vinho, que todos temos em casa, são perfeitamente adequadas para isso.
Já no caso dos saquês que não foram mantidos sob refrigeração adequada durante o transporte, pode ser mais interessante servi-los em copos menores de cerâmica ou vidro. Esses copos ajudam a minimizar a exposição aos aromas e a evitar que o álcool se sobressaia demais. Assim como no vinho, o formato do copo tem grande impacto na percepção do saquê, especialmente no que diz respeito ao aroma e à sensação na boca.
Quais são os desafios e as oportunidades para a difusão do saquê como uma bebida que pode estar presente na mesa do consumidor, assim como o vinho?
No Japão, o saquê sempre foi uma bebida extraordinariamente versátil, podendo ser servido em diversas temperaturas, que vão desde extremamente gelado até muito quente. Essa flexibilidade única é uma das características que o tornam tão especial, pois diferentes tipos da bebida podem revelar novas nuances de sabor e aroma conforme a temperatura em que são degustados e torna a bebida ideal para diversas situações e clima.
Outro aspecto que tem ganhado cada vez mais destaque no Brasil é o potencial do saquê em coquetéis, que vão muito além da tradicional caipirinha. O saquê promete se tornar cada vez mais presente nas cartas dos bares renomados do país, com infusões, preparações e misturas inovadoras que elevam ainda mais seu perfil. Isso prova que o saquê não deve ser apreciado apenas sozinho, mas se transforma em um ingrediente multifacetado, capaz de brilhar em diversas combinações gastronômicas.
No entanto, o principal desafio do setor no Brasil é justamente a divulgação e o esclarecimento sobre a verdadeira natureza do saquê. Muitos consumidores ainda o enxergam apenas como uma bebida ligada à culinária japonesa, sem perceberem sua vasta gama de possibilidades. À medida que o público brasileiro descobre a versatilidade do saquê, seja para harmonizações mais inusitadas ou para drinques criativos, ele certamente conquistará cada vez mais espaço nas mesas e nos copos dos brasileiros.
Para mim, outro fator que precisamos “desmistificar” é a percepção equivocada de boa parte do público (embora isto esteja mudando rápido) de que o saquê é uma bebida forte e até destilada. Talvez porque muita gente tenha conhecido o saquê como componente da caipirinha (sendo que cachaça e vodka são destilados) ou também porque, sem refrigeração, os saquês tendem a ressaltar muito o álcool da bebida. Mas vale lembrar: o saquê não é um destilado, mas sim uma bebida fermentada, como o vinho ou a cerveja!
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